quinta-feira, 28 de abril de 2011

MENSAGEM DO PAPA BENTO XVI PARA O 450 DIA MUNDIAL DAS COMUNICAÇÕES SOCIAIS

Verdade, anúncio e autenticidade
de vida, na era digital
5 de junho de 2011
Queridos irmãos e irmãs!

Por ocasião do XLV Dia Mundial das Comunicações Sociais, desejo partilhar algumas reflexões,
motivadas por um fenômeno característico do nosso tempo: a difusão da comunicação através da rede
internet. Vai-se tornando cada vez mais comum a convicção de que, tal como a revolução industrial
produziu uma mudança profunda na sociedade através das novidades inseridas no ciclo de produção e
na vida dos trabalhadores, também hoje a profunda transformação operada no campo das
comunicações guia o fluxo de grandes mudanças culturais e sociais. As novas tecnologias estão a
mudar não só o modo de comunicar, mas a própria comunicação em si mesma, podendo-se afirmar
que estamos perante uma ampla transformação cultural. Com este modo de difundir informações e
conhecimentos, está a nascer uma nova maneira de aprender e pensar, com oportunidades inéditas de estabelecer relações e de construir comunhão.
Aparecem em perspectiva metas até há pouco tempo impensáveis, que nos deixam maravilhados
com as possibilidades oferecidas pelos novos meios e, ao mesmo tempo, impõem de modo cada vez
mais premente uma reflexão séria acerca do sentido da comunicação na era digital. Isto é
particularmente evidente quando nos confrontamos com as extraordinárias potencialidades da rede
internet e a complexidade das suas aplicações. Como qualquer outro fruto do engenho humano, as
novas tecnologias da comunicação pedem para ser postas ao serviço do bem integral da pessoa e da
humanidade inteira. Usadas sabiamente, podem contribuir para satisfazer o desejo de sentido, verdade
e unidade que permanece a aspiração mais profunda do ser humano.
No mundo digital, transmitir informações significa com frequência sempre maior inseri-las
numa rede social, onde o conhecimento é partilhado no âmbito de intercâmbios pessoais. A distinção
clara entre o produtor e o consumidor da informação aparece relativizada, pretendendo a
comunicação ser não só uma troca de dados, mas também e cada vez mais uma partilha. Esta
dinâmica contribuiu para uma renovada avaliação da comunicação, considerada primariamente como
diálogo, intercâmbio, solidariedade e criação de relações positivas. Por outro lado, isto colide com
alguns limites típicos da comunicação digital: a parcialidade da interação, a tendência a comunicar só
algumas partes do próprio mundo interior, o risco de cair numa espécie de construção da autoimagem
que pode favorecer o narcisismo.
Sobretudo os jovens estão a viver esta mudança da comunicação, com todas as ansiedades, as
contradições e a criatividade própria de quantos se abrem com entusiasmo e curiosidade às novas
experiências da vida. O envolvimento cada vez maior no público areópago digital dos chamados social
network, leva a estabelecer novas formas de relação interpessoal, influi sobre a percepção de si próprio
e por conseguinte, inevitavelmente, coloca a questão não só da justeza do próprio agir, mas também
da autenticidade do próprio ser. A presença nestes espaços virtuais pode ser o sinal de uma busca
autêntica de encontro pessoal com o outro, se se estiver atento para evitar os seus perigos, como
refugiar-se numa espécie de mundo paralelo ou expor-se excessivamente ao mundo virtual. Na busca
de partilha, de “amizades”, confrontamo-nos com o desafio de ser autênticos, fiéis a si mesmos, sem
ceder à ilusão de construir artificialmente o próprio “perfil” público.
As novas tecnologias permitem que as pessoas se encontrem para além dos confins do espaço e
das próprias culturas, inaugurando deste modo todo um novo mundo de potenciais amizades. Esta é
uma grande oportunidade, mas exige também uma maior atenção e uma tomada de consciência
quanto aos possíveis riscos. Quem é o meu “próximo” neste novo mundo? Existe o perigo de estar
menos presente a quantos encontramos na nossa vida diária? Existe o risco de estarmos mais
distraídos, porque a nossa atenção é fragmentada e absorvida por um mundo “diferente” daquele
onde vivemos? Temos tempo para refletir criticamente sobre as nossas opções e alimentar relações
humanas que sejam verdadeiramente profundas e duradouras? É importante nunca esquecer que o
contato virtual não pode nem deve substituir o contato humano direto com as pessoas, em todos os
níveis da nossa vida.
Também na era digital, cada um vê-se confrontado com a necessidade de ser pessoa autêntica e
reflexiva. Aliás, as dinâmicas próprias dos social network mostram que uma pessoa acaba sempre
envolvida naquilo que comunica. Quando as pessoas trocam informações, estão já a partilhar-se a si
mesmas, a sua visão do mundo, as suas esperanças, os seus ideais. Segue-se daqui que existe um estilo
cristão de presença também no mundo digital: traduz-se numa forma de comunicação honesta e
aberta, responsável e respeitadora do outro. Comunicar o Evangelho através dos novos midia significa
não só inserir conteúdos declaradamente religiosos nas plataformas dos diversos meios, mas também
testemunhar com coerência, no próprio perfil digital e no modo de comunicar, escolhas, preferências,
juízos que sejam profundamente coerentes com o Evangelho, mesmo quando não se fala
explicitamente dele. Aliás, também no mundo digital, não pode haver anúncio de uma mensagem
sem um testemunho coerente por parte de quem anuncia. Nos novos contextos e com as novas
formas de expressão, o cristão é chamado de novo a dar resposta a todo aquele que lhe perguntar a
razão da esperança que está nele (cf. 1Pd 3,15).
O compromisso por um testemunho do Evangelho na era digital exige que todos estejam
particularmente atentos aos aspectos desta mensagem que possam desafiar algumas das lógicas típicas
da web. Antes de tudo, devemos estar cientes de que a verdade que procuramos partilhar não extrai o
seu valor da sua “popularidade” ou da quantidade de atenção que lhe é dada. Devemos esforçar-nos
mais em dá-la conhecer na sua integridade do que em torná-la aceitável, talvez “mitigando-a”. Deve
tornar-se alimento cotidiano e não atração de um momento. A verdade do Evangelho não é algo que
possa ser objeto de consumo ou de fruição superficial, mas dom que requer uma resposta livre.
Mesmo se proclamada no espaço virtual da rede, aquela sempre exige ser encarnada no mundo real e
dirigida aos rostos concretos dos irmãos e irmãs com quem partilhamos a vida diária. Por isso
permanecem fundamentais as relações humanas diretas na transmissão da fé!
Em todo o caso, quero convidar os cristãos a unirem-se confiadamente e com criatividade
consciente e responsável na rede de relações que a era digital tornou possível; e não simplesmente para
satisfazer o desejo de estar presente, mas porque esta rede tornou-se parte integrante da vida humana.
A web está a contribuir para o desenvolvimento de formas novas e mais complexas de consciência
intelectual e espiritual, de certeza compartilhada. Somos chamados a anunciar, neste campo também,
a nossa fé: que Cristo é Deus, o Salvador do homem e da história, aquele em quem todas as coisas
alcançam a sua perfeição (cf. Ef 1,10). A proclamação do Evangelho requer uma forma respeitosa e
discreta de comunicação, que estimula o coração e move a consciência; uma forma que recorda o
estilo de Jesus ressuscitado quando se fez companheiro no caminho dos discípulos de Emaús (cf. Lc
24,13-35), que foram gradualmente conduzidos à compreensão do mistério mediante a sua
companhia, o diálogo com eles, o fazer vir ao de cima com delicadeza o que havia no coração deles.
Em última análise, a verdade que é Cristo constitui a resposta plena e autêntica àquele desejo
humano de relação, comunhão e sentido que sobressai inclusivamente na participação maciça nos
vários social network. Os crentes, testemunhando as suas convicções mais profundas, prestam uma
preciosa contribuição para que a web não se torne um instrumento que reduza as pessoas a categorias,
que procure manipulá-las emotivamente ou que permita aos poderosos monopolizar a opinião alheia.
Pelo contrário, os crentes encorajam todos a manterem vivas as eternas questões do homem, que
testemunham o seu desejo de transcendência e o anseio por formas de vida autêntica, digna de ser
vivida. Precisamente esta tensão espiritual própria do ser humano é que está por detrás da nossa sede
de verdade e comunhão e nos estimula a comunicar com integridade e honestidade.
Convido sobretudo os jovens a fazerem bom uso da sua presença no areópago digital. Renovolhes
o convite para o encontro comigo na próxima Jornada Mundial da Juventude em Madri, cuja
preparação muito deve às vantagens das novas tecnologias. Para os agentes da comunicação, invoco de
Deus, por intercessão do Patrono São Francisco de Sales, a capacidade de sempre desempenharem o
seu trabalho com grande consciência e escrupulosa profissionalidade, enquanto a todos envio a minha.

Bênção Apostólica.
Vaticano, Festa de São Francisco de Sales, 24 de janeiro de 2011.
BENTO XVI

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Homilia de Bento XVI na Vigília Pascal, no Vaticano

 

Boletim da Santa Sé


Amados irmãos e irmãs,

Dois grandes sinais caracterizam a celebração litúrgica da Vigília Pascal. Temos antes de mais nada o fogo que se torna luz. A luz do círio pascal que, na procissão através da igreja encoberta na escuridão da noite, se torna uma onda de luzes, fala-nos de Cristo como verdadeira estrela da manhã eternamente sem ocaso, fala-nos do Ressuscitado em quem a luz venceu as trevas. O segundo sinal é a água. Esta recorda, por um lado, as águas do Mar Vermelho, o afundamento e a morte, o mistério da Cruz; mas, por outro, aparece-nos como água nascente, como elemento que dá vida na aridez. Torna-se assim imagem do sacramento do Batismo, que nos faz participantes da morte e ressurreição de Jesus Cristo.

Mas não são apenas estes grandes sinais da criação, a luz e a água, que fazem parte da liturgia da Vigília Pascal; outra característica verdadeiramente essencial da Vigília é o fato de nos proporcionar um vasto encontro com a palavra da Sagrada Escritura. Antes da reforma litúrgica, havia doze leituras do Antigo Testamento e duas do Novo. As do Novo Testamento permaneceram; entretanto o número das leituras do Antigo Testamento acabou fixado em sete, que, atendendo às situações locais, se podem reduzir a três leituras. A Igreja quer, através de uma ampla visão panorâmica, conduzir-nos ao longo do caminho da história da salvação, desde a criação passando pela eleição e a libertação de Israel até aos testemunhos proféticos, pelos quais toda esta história se orienta cada vez mais claramente para Jesus Cristo. Na tradição litúrgica, todas estas leituras se chamavam profecias: mesmo quando não são diretamente vaticínios de acontecimentos futuros, elas têm um caráter profético, mostram-nos o fundamento íntimo e a direção da história; fazem com que a criação e a história se tornem transparentes no essencial. Deste modo tomam-nos pela mão e conduzem-nos para Cristo, mostram-nos a verdadeira luz.

Na Vigília Pascal, o percurso ao longo dos caminhos da Sagrada Escritura começa pelo relato da criação. Desta forma, a liturgia quer-nos dizer que também o relato da criação é uma profecia. Não se trata de uma informação sobre a realização exterior da transformação do universo e do homem. Bem cientes disto estavam os Padres da Igreja, que entenderam este relato não como narração real das origens das coisas, mas como apelo ao essencial, ao verdadeiro princípio e ao fim do nosso ser. Ora, podemo-nos interrogar: mas, na Vigília Pascal, é verdadeiramente importante falar também da criação? Não se poderia começar pelos acontecimentos em que Deus chama o homem, forma para Si um povo e cria a sua história com os homens na terra? A resposta deve ser: não! Omitir a criação significaria equivocar-se sobre a história de Deus com os homens, diminuí-la, deixar de ver a sua verdadeira ordem de grandeza. O arco da história que Deus fundou chega até às origens, até à criação. A nossa profissão de fé inicia com as palavras: «Creio em Deus, Pai todo-poderoso, Criador do Céu e da Terra». Se omitimos este início do Credo, a história global da salvação torna-se demasiado restrita, demasiado pequena. A Igreja não é uma associação qualquer que se ocupa das necessidades religiosas dos homens e cujo objetivo se limitaria precisamente ao de uma tal associação. Não, a Igreja leva o homem ao contato com Deus e, consequentemente, com o princípio de tudo. Por isso, Deus tem a ver conosco como Criador, e por isso possuímos uma responsabilidade pela criação. A nossa responsabilidade inclui a criação, porque esta provém do Criador. Deus pode dar-nos vida e guiar a nossa vida, só porque Ele criou o todo. A vida na fé da Igreja não abrange somente o âmbito de sensações e sentimentos e porventura de obrigações morais; mas abrange o homem na sua integralidade, desde as suas origens e na perspectiva da eternidade. Só porque a criação pertence a Deus, podemos depositar n’Ele completamente a nossa confiança. E só porque Ele é Criador, é que nos pode dar a vida por toda a eternidade. A alegria e gratidão pela criação e a responsabilidade por ela andam juntas uma com a outra.

Podemos determinar ainda mais concretamente a mensagem central do relato da criação. Nas primeiras palavras do seu Evangelho, São João resumiu o significado essencial do referido relato com uma única frase: «No princípio, era o Verbo». Com efeito, o relato da criação, que ouvimos anteriormente, caracteriza-se pela frase que aparece com regularidade: «Disse Deus…». O mundo é uma produção da Palavra, do Logos, como se exprime João com um termo central da língua grega. «Logos» significa «razão», «sentido», «palavra». Não é apenas razão, mas Razão criadora que fala e comunica a Si mesma. Trata-se de Razão que é sentido, e que cria, Ela mesma, sentido. Por isso, o relato da criação diz-nos que o mundo é uma produção da Razão criadora. E deste modo diz-nos que, na origem de todas as coisas, não está o que é sem razão, sem liberdade; pelo contrário, o princípio de todas as coisas é a Razão criadora, é o amor, é a liberdade. Encontramo-nos aqui perante a alternativa última que está em jogo na disputa entre fé e incredulidade: o princípio de tudo é a irracionalidade, a ausência de liberdade e o acaso, ou então o princípio do ser é razão, liberdade, amor? O primado pertence à irracionalidade ou à razão? Tal é a questão de que, em última análise, se trata. Como crentes, respondemos com o relato da criação e com São João: na origem, está a razão. Na origem, está a liberdade. Por isso, é bom ser uma pessoa humana. Assim o que sucedera no universo em expansão não foi que por fim, num angulozinho qualquer do cosmos, ter-se-ia formado por acaso também uma espécie como qualquer outra de ser vivente, capaz de raciocinar e de tentar encontrar na criação uma razão ou de lha conferir. Se o homem fosse apenas um tal produto casual da evolução num lugar marginal qualquer do universo, então a sua vida seria sem sentido ou mesmo um azar da natureza. Mas não! No início, está a Razão, a Razão criadora, divina. E, dado que é Razão, ela criou também a liberdade; e, uma vez que se pode fazer uso indevido da liberdade, existe também o que é contrário à criação. Por isso se estende, por assim dizer, uma densa linha escura através da estrutura do universo e através da natureza do homem. Mas, apesar desta contradição, a criação como tal permanece boa, a vida permanece boa, porque na sua origem está a Razão boa, o amor criador de Deus. Por isso, o mundo pode ser salvo. Por isso podemos e devemos colocar-nos da parte da razão, da liberdade e do amor, da parte de Deus que nos ama de tal maneira que Ele sofreu por nós, para que, da sua morte, pudesse surgir uma vida nova, definitiva, restaurada.

O relato veterotestamentário da criação, que escutámos, indica claramente esta ordem das coisas. Mas faz-nos dar um passo mais em frente. O processo da criação aparece estruturado no quadro de uma semana que se orienta para o Sábado, encontrando neste a sua perfeição. Para Israel, o Sábado era o dia em que todos podiam participar no repouso de Deus, em que homem e animal, senhor e escravo, grandes e pequenos estavam unidos na liberdade de Deus. Assim o Sábado era expressão da aliança entre Deus, o homem e a criação. Deste modo, a comunhão entre Deus e o homem não aparece como um acréscimo, algo instaurado posteriormente num mundo cuja criação estava já concluída. A aliança, a comunhão entre Deus e o homem, está prevista no mais íntimo da criação. Sim, a aliança é a razão intrínseca da criação, tal como esta é o pressuposto exterior da aliança. Deus fez o mundo, para haver um lugar no qual Ele pudesse comunicar o seu amor e a partir do qual a resposta de amor retornasse a Ele. Diante de Deus, o coração do homem que Lhe responde é maior e mais importante do que todo o imenso universo material que, certamente, já nos deixa vislumbrar algo da grandeza de Deus.

Entretanto, na Páscoa e a partir da experiência pascal dos cristãos, devemos ainda dar mais um passo. O Sábado é o sétimo dia da semana. Depois de seis dias em que o homem, de certa forma, participa no trabalho criador de Deus, o Sábado é o dia do repouso. Mas, na Igreja nascente, sucedeu algo de inaudito: no lugar do Sábado, do sétimo dia, entra o primeiro dia. Este, enquanto dia da assembleia litúrgica, é o dia do encontro com Deus por meio de Jesus Cristo, que no primeiro dia, o Domingo, encontrou como Ressuscitado os seus, depois que estes encontraram vazio o sepulcro. Agora inverte-se a estrutura da semana: já não está orientada para o sétimo dia, em que se participa no repouso de Deus; a semana inicia com o primeiro dia como dia do encontro com o Ressuscitado. Este encontro não cessa jamais de verificar-se na celebração da Eucaristia, durante a qual o Senhor entra de novo no meio dos seus e dá-Se a eles, deixa-Se por assim dizer tocar por eles, põe-Se à mesa com eles. Esta mudança é um fato extraordinário, quando se considera que o Sábado – o sétimo dia – está profundamente radicado no Antigo Testamento como o dia do encontro com Deus. Quando se pensa como a passagem do trabalho ao dia do repouso corresponde também a uma lógica natural, torna-se ainda mais evidente o alcance impressionante de tal alteração. Este processo inovador, que se deu logo ao início do desenvolvimento da Igreja, só se pode explicar com o fato de ter sucedido algo de inaudito em tal dia. O primeiro dia da semana era o terceiro depois da morte de Jesus; era o dia em que Ele Se manifestou aos seus como o Ressuscitado. De fato, este encontro continha nele algo de impressionante. O mundo tinha mudado. Aquele que estivera morto goza agora de um vida que já não está ameaçada por morte alguma. Fora inaugurada uma nova forma de vida, uma nova dimensão da criação. O primeiro dia, segundo o relato do Gênesis, é aquele em que teve início a criação. Agora tornara-se, de uma forma nova, o dia da criação, tornara-se o dia da nova criação. Nós celebramos o primeiro dia. Deste modo celebramos Deus, o Criador, e a sua criação. Sim, creio em Deus, Criador do Céu e da Terra. E celebramos o Deus que Se fez homem, padeceu, morreu, foi sepultado e ressuscitou. Celebramos a vitória definitiva do Criador e da sua criação. Celebramos este dia como origem e simultaneamente como meta da nossa vida. Celebramo-lo porque agora, graças ao Ressuscitado, vale de modo definitivo que a razão é mais forte do que a irracionalidade, a verdade mais forte do que a mentira, o amor mais forte do que a morte. Celebramos o primeiro dia, porque sabemos que a linha escura que atravessa a criação não permanece para sempre. Celebramo-lo, porque sabemos que agora vale definitivamente o que se diz no fim do relato da criação: «Deus viu que tudo o que tinha feito; era tudo muito bom» (Gn 1, 31). Amen.



domingo, 24 de abril de 2011

Mensagem de Páscoa de Bento XVI antes da benção Urbi Et Orbi



"In resurrectione tua, Christe, coeli et terra laetentur – Na vossa Ressurreição, ó Cristo, alegrem-se os céus e a terra" (Liturgia das Horas).

Amados irmãos e irmãs de Roma e do mundo inteiro!

A manhã de Páscoa trouxe-nos este anúncio antigo e sempre novo: Cristo ressuscitou! O eco deste acontecimento, que partiu de Jerusalém há vinte séculos, continua a ressoar na Igreja, que traz viva no coração a fé vibrante de Maria, a Mãe de Jesus, a fé de Madalena e das primeiras mulheres que viram o sepulcro vazio, a fé de Pedro e dos outros Apóstolos.

Até hoje – mesmo na nossa era de comunicações supertecnológicas – a fé dos cristãos assenta naquele anúncio, no testemunho daquelas irmãs e daqueles irmãos que viram, primeiro, a pedra removida e o túmulo vazio e, depois, os misteriosos mensageiros que atestavam que Jesus, o Crucificado, ressuscitara; em seguida, o Mestre e Senhor em pessoa, vivo e palpável, apareceu a Maria de Magdala, aos dois discípulos de Emaús e, finalmente, aos onze, reunidos no Cenáculo (cf. Mc 16, 9-14).

A ressurreição de Cristo não é fruto de uma especulação, de uma experiência mística: é um acontecimento, que ultrapassa certamente a história, mas verifica-se num momento concreto da história e deixa nela uma marca indelével. A luz, que encandeou os guardas de sentinela ao sepulcro de Jesus, atravessou o tempo e o espaço. É uma luz diferente, divina, que fendeu as trevas da morte e trouxe ao mundo o esplendor de Deus, o esplendor da Verdade e do Bem.

Tal como os raios do sol, na primavera, fazem brotar e desabrochar os rebentos nos ramos das árvores, assim também a irradiação que dimana da Ressurreição de Cristo dá força e significado a cada esperança humana, a cada expectativa, desejo, projeto. Por isso, hoje, o universo inteiro se alegra, implicado na primavera da humanidade, que se faz intérprete do tácito hino de louvor da criação. O aleluia pascal, que ressoa na Igreja peregrina no mundo, exprime a exultação silenciosa do universo e sobretudo o anseio de cada alma humana aberta sinceramente a Deus, mais ainda, agradecida pela sua infinita bondade, beleza e verdade.

"Na vossa ressurreição, ó Cristo, alegrem-se os céus e a terra". A este convite ao louvor, que hoje se eleva do coração da Igreja, os "céus" respondem plenamente: as multidões dos anjos, dos santos e dos beatos unem-se unânimes à nossa exultação. No Céu, tudo é paz e alegria. Mas, infelizmente, não é assim sobre a terra! Aqui, neste nosso mundo, o aleluia pascal contrasta ainda com os lamentos e gritos que provêm de tantas situações dolorosas: miséria, fome, doenças, guerras, violências. E todavia foi por isto mesmo que Cristo morreu e ressuscitou! Ele morreu também por causa dos nossos pecados de hoje, e também para a redenção da nossa história de hoje Ele ressuscitou. Por isso, esta minha mensagem quer chegar a todos e, como anúncio profético, sobretudo aos povos e às comunidades que estão a sofrer uma hora de paixão, para que Cristo Ressuscitado lhes abra o caminho da liberdade, da justiça e da paz.

Possa alegrar-se aquela Terra que, primeiro, foi inundada pela luz do Ressuscitado. O fulgor de Cristo chegue também aos povos do Médio Oriente para que a luz da paz e da dignidade humana vença as trevas da divisão, do ódio e das violências. Na Líbia, que as armas cedam o lugar à diplomacia e ao diálogo e se favoreça, na situação atual de conflito, o acesso das ajudas humanitárias a quantos sofrem as consequências da luta. Nos países da África do Norte e do Oriente Médio, que todos os cidadãos – e de modo particular os jovens – se esforcem por promover o bem comum e construir um sociedade, onde a pobreza seja vencida e cada decisão política seja inspirada pelo respeito da pessoa humana. A tantos prófugos e aos refugiados, que provêm de diversos países africanos e se vêem forçados a deixar os afetos dos seus entes mais queridos, chegue a solidariedade de todos; os homens de boa vontade sintam-se inspirados a abrir o coração ao acolhimento, para se torne possível, de maneira solidária e concorde, acudir às necessidades prementes de tantos irmãos; a quantos se prodigalizam com generosos esforços e dão exemplares testemunhos nesta linha chegue o nosso conforto e apreço.

Possa recompor-se a convivência civil entre as populações da Costa do Marfim, onde é urgente empreender um caminho de reconciliação e perdão, para curar as feridas profundas causadas pelas recentes violências. Possa encontrar consolação e esperança a terra do Japão, enquanto enfrenta as dramáticas consequências do recente terremoto, e demais países que, nos meses passados, foram provados por calamidades naturais que semearam sofrimento e angústia.

Alegrem-se os céus e a terra pelo testemunho de quantos sofrem contrariedades ou mesmo perseguições pela sua fé no Senhor Jesus. O anúncio da sua ressurreição vitoriosa neles infunda coragem e confiança.

Queridos irmãos e irmãs! Cristo ressuscitado caminha à nossa frente para os novos céus e a nova terra (cf. Ap 21, 1), onde finalmente viveremos todos como uma única família, filhos do mesmo Pai. Ele está connosco até ao fim dos tempos. Sigamos as suas pegadas, neste mundo ferido, cantando o aleluia. No nosso coração, há alegria e sofrimento; na nossa face, sorrisos e lágrimas. A nossa realidade terrena é assim. Mas Cristo ressuscitou, está vivo e caminha connosco. Por isso, cantamos e caminhamos, fiéis ao nosso compromisso neste mundo, com o olhar voltado para o Céu.

Boa Páscoa a todos!